segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Apontamentos sobre a Terceira Geração dos Annales

Os primeiros parágrafos da apresentação de “História: Novos Problemas”, assinado pela dupla Jacques Lê Goff e Pierre Nora, deixam claras as principais intenções de uma geração que está tomando para si a reflexão sobre os rumos da história e dos novos parâmetros a serem seguidos. Primeiro: o que essa obra não é; não é um panorama da história atual, nem faz um apanhado da produção ou campo da história. O que os autores desejam mostrar, e eles estão acompanhados de muitos outros colegas, é a possibilidade de uma epistemologia da história, diante do avanço das outras ciências humanas. A história, segundo estes autores, não encontra limites para seus domínios. Diante da preocupação da ameaça das outras disciplinas, como a antropologia, por exemplo, o melhor é utilizar-se das novas possibilidades de análises e abrangências, assimilando para si para não ser assimilada pelas outras. 

François Dosse considera, inclusive, numa análise sobre este momento, a história inserida num contexto tal que chega dar título ao seu quinto capítulo de seu livro “História em Migalhas”, de “antropologia histórica”, adjetivando a disciplina. Dosse, que sempre detalha bem os aspectos totalizantes, construindo um pano de fundo, apropriado ao bom entendimento do tempo estudado, inicia assim seu capítulo. Quando fala da descolonização, que está em curso desde o pós Segunda Guerra aos anos 1970, enfatiza o favorecimento do discurso antropológico. Quando diz que o Ocidente tem a impressão de não fazer mais a história humana e sim da humanidade[1], está colocando questões de ordem geral, que atingem a toda humanidade, à espécie humana e não a um povo ou uma etnia somente. 

A impressão que se tem, é que para Dosse, os historiadores estão um tanto tontos diante desse cenário. Já os historiadores dessa nova geração parecem pensar que o melhor é a assimilação. Desse modo, vai ocorrer um rompimento com a historiografia braudeliana e, de certo modo, um retorno às propostas iniciais dos Annales. Apesar de todo respeito dos novos em relação aos antigos como Bloch, Febvre e Braudel, este último ainda atuante, a nova geração aponta novos caminhos. Este livro, cuja apresentação está se estudando, faz parte uma trilogia que se intitula “História: Novos Problemas”, “História: Novas abordagens” e “História: Novos Objetos”, lançada no início dos anos 1970, sendo um marco para essa nova história que se discute muito mais o presente que tanto o passado “glorioso” ou o futuro. 

Segundo Dosse, graças à sensibilidade “às interrogações do presente”, essa geração dos Annales mudou o “rumo de seu discurso ao desenvolver a antropologia histórica[2]” Para ele, os historiadores dos Annales confirmam suas posições hegemônicas quando toma para si as “roupagens dos rivais mais sérios”. O preço seria o abandono dos grandes espaços econômicos de Braudel. Essa nova história ou “história sociocultural”, como chama Daniel Roche[3], permite a Lévi-Strauss dizer que tem a impressão que tanto os antropólogos quanto os historiadores estão fazendo a mesma coisa, por conta de a história ter se apropriado da roupagem etnológica.

A questão do tempo ganha outras formas de percepção. Apesar de continuar sendo o mesmo tempo humano, ele agora é quase tão imóvel quanto o tempo geológico. “A abordagem etnológica elimina a irrupção do acontecimento em troca da permanência, da cronologia repetida do cotidiano da humanidade...” Assuntos como o casamento, o batismo, o casamento, a morte etc. seriam objeto de estudo neste tipo de abordagem. Outro conceito importante e marcante desta geração é a da história das mentalidades. Conceito resgatado da primeira geração, que a designava por história da psicologia coletiva ou social, “que tem por fundamento o nível inconsciente das práticas sociais, o pensamento coletivo e automático de uma época ou de um grupo social[4]."


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[1] DOSSE, François. A Antropologia Histórica. In: A História em migalhas, dos Annales à Nova História. P. 247 

[2] (Dosse, p. 249) 

[3] (idem) 

[4] (Dosse, p. 255)

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